
Sabe aquele dia em que você vai à locadora e não tem a mínima idéia do que escolher? Você olha, olha e parece que todos os milhares de filmes que você deixou de ver na telona desapareceram de repente. Então, você se culpa por não ter anotado os nomes e apela pra um lançamento qualquer. Bom, isso acontece comigo com freqüência, tanto que essa semana fui à locadora aqui do Jardim Botânico e fiquei quase uma hora olhando as prateleiras, como se por algum milagre, algum filmasso fosse pular da estante direto para minhas mãos. Mas como a vida não é cinema, já estava preparado pra apelar para um desses blockbusters, quando minha namorada veio com um dvd de capa mal feita e meio surrada. Me interessei na hora. O filme era dinamarquês e ainda havia sido indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Com certeza esse era um daqueles filmes que você lê a resenha no jornal, fica com vontade de ver e depois esquece. A escolha estava feita.
Depois do Casamento é um filme com uma estética diferente daquela a que estamos acostumados a ver nas produções mais industriais. O filme parece mais simples e até um pouco mais amador, mas tudo é proposital. Susanne Bier, a diretora é uma remanescente do Dogma, movimento do cinema dinamarquês inovador e libertário surgido nos anos 90 e liderado por Lars Von Trier.
O Dogma prega algumas premissas como a não utilização de iluminação artificial, a não utilização de cenografia e a não utilização de som que não seja ambiente. Susanne deixa claro a marca do manifesto Dogma neste filme. Na verdade esta ideologia estética enriquece muito a obra, pois torna imprescindível a existência de um roteiro muito forte e bem amarrado. No Dogma não vale roubar a atenção do espectador com efeitos especiais ou cenas muito elaboradas, demonstrando que a dinherama de Hollywood não é necessária para se fazer um bom filme.
Sendo assim, Depois do Casamento é forte desde o começo. A história é surpreendente e emociona muito. O filme conta a história de Jacob (Mads Mikkelsen, o Le Chiffre de Cassino Royale), um homem que largou tudo para cuidar de um orfanato em Bombaim. Porém, uma proposta muito suspeita aparece para mexer em sua vida. O orfanato, fadado a falência, recebe a proposta de uma ajuda de 12 milhões de dólares de um desconhecido, com a condição de que Jacob volte para Copenhague. Essa viagem muda a vida de Jacob muito mais do que ele nunca imaginara.
Susanne compensa a falta de calor humano nórdica com planos fechados nos olhos, parecendo estar tentando mostrar a alma do personagem. Não só nos olhos, ela também utiliza muitos cortes em reações corporais delicadas, que normalmente passam desapercebidas, como uma mão tensa ou um arrepio. Às vezes chega a ser exagerado e alguns desses planos acabam por ser desnecessários, chamando a atenção para elementos que não tem a mínima importância. Algumas quebras de eixo deixam o espectador desnorteado, mas intensificam mais as ações.
No entanto as quebras de paradigmas, de preconceitos e do maniqueísmo são o que há de mais forte na obra. De início, parece que vamos assistir a mais um filme sobre ricos contra pobres, sobre as diferenças entre os países de primeiro mundo e os subdesenvolvidos, sobre o capitalismo selvagem monetarizando um ideal social. Mas não, Depois do Casamento sai completamente dessa linha batida e entra na alma, bem fundo no mais intenso dos sentimentos e apresenta a solidariedade e a compaixão de uma forma sublime. Me senti muito satisfeito, não só como cinéfilo, mas como ser humano.
As video-locadoras guardam, muitas vezes, tesouros escondidos que não recebem a atenção que mereciam. Vale a pena vasculhar e perder um tempinho nos filmes do catálogo antes de apelar para Velozes e Furiosos 8.
Ficha

Depois do Casamento (Efter Brylluppet) 120min, Dinamarca/Suécia, 2006
Direção: Susanne Bier
Roteiro: Anders Thomas Jensen
Produção: Sisse Graum Olsen
Fotografia: Stine Hein, Ole Kragh-Jacobsen, Morten Soborg e Otto Stenov
Elenco: Mads Mikkelsen, Sidse Babett Knudsen, Rolf Lassgard, Stine Fischer Christensen
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